As relações de trabalho diante da Medida Provisória nº 927

Uma tentativa de frear o desemprego e diminuir prejuízos gerados ao empregador em razão dos impactos econômicos decorrentes da pandemia do coronavírus (COVID-19)

O governo federal publicou, no dia 22 de março de 2020, a Medida Provisória nº 927, que prevê diversas medidas que poderão ser adotadas pelo empregador, a fim de garantir a manutenção dos empregos diante dos impactos econômicos vivenciados em razão da pandemia provocada pelo COVID-19 (coronavírus). 

O pacote de medidas revela a tentativa governamental de frear o desemprego e diminuir os prejuízos gerados ao empregador, uma vez que as atividades empresariais e a economia serão diretamente afetadas com as reclusões e os isolamentos ocorridos em todo território nacional (e mundial).

A Medida Provisória nº 927, associada às normas já existentes na legislação trabalhista, possibilita a adoção de alternativas para enfrentar o estado de emergência causado pela pandemia do coronavírus, tais como:

I) adoção do regime de teletrabalho;

II) decretação de férias coletivas;

III) antecipação de férias individuais;

IV) aproveitamento e a antecipação de feriados;

V) adoção do banco de horas com a possibilidade de compensação em até dezoito meses;

VI) suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;

VII) adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço das competências de março, abril e maio de 2020.

Tais medidas têm o fim de zelar e manter as relações de trabalho até que seja encerrado o estado de emergência de saúde pública de importância internacional.

Ressalta-se, por oportuno, que o artigo 18 da Medida Provisória nº 927, que prevê a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por até 4 (quatro) meses para a participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador, sem o recebimento de salário, após ter gerado grande polêmica, foi totalmente revogado através do artigo 2º da Medida Provisória 928, publicada ontem, razão pela qual não será abordado.

Nesse contexto, na qualidade de advogados com atuação em consultoria jurídica de empresas, elaboramos o presente material, com conteúdos e orientações acerca das principais medidas que poderão ser adotadas pelos empregadores, a fim mitigar os impactos da pandemia do COVID-19 nas relações de trabalho:

I – Teletrabalho

As disposições do presente item destinam-se aos setores empresarias que dispõem da possibilidade de manutenção das atividades da empresa à distância. Ou seja, àqueles setores em que os empregados podem realizar suas atividades habituais por intermédio da instauração do teletrabalho, trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância. 

O teletrabalho encontra-se previsto nos artigos 75-A e seguintes da CLT, e refere-se à modalidade de trabalho remoto no qual a prestação de serviços se dá preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

A flexibilização ocasionada pela Medida Provisória nº 927 reside na possibilidade de o empregador, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância, assim como de determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos.

Ademais, tal possibilidade dispensa a necessidade de registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho, de modo que caberá ao empregador notificar o empregado sobre a alteração do regime de trabalho, por escrito ou por meio eletrônico, com antecedência mínima de quarenta e oito horas.

Frisa-se que as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à concretização das modalidades de trabalho à distância, assim como a responsabilidade relativa ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado deverão ser previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho. 

Caso o empregado não disponha da estrutura necessária à realização das atividades laborais na forma remota, o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, os quais não caracterizarão verba de natureza salarial. Inexistindo a possibilidade de oferecimento do regime de comodato, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.

A Medida Provisória determina, ainda, que o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.

II – Antecipação de férias individuais

A antecipação das férias individuais também se apresenta como uma alternativa prevista na Medida Provisória para contornar o cenário atual.

Nesse caso, o empregador poderá informar ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência mínima quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado.

As férias individuais não poderão ser gozadas em períodos inferiores a cinco dias corridos e poderão ser concedidas ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido.

Quanto ao pagamento das férias, o empregador poderá optar por efetuar o pagamento do adicional de um terço de férias até a data em que é devido o 13º salário, e o pagamento da remuneração das férias concedidas até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias.

Ressalta-se, ainda, que o empregado e o empregador poderão negociar a antecipação de períodos futuros de férias, mediante acordo individual escrito.

Por fim, destaca-se que a conversão de um terço do período de férias em abono pecuniário, ou seja, a “venda” de parte das férias, ficará sujeita à concordância do empregador, por escrito ou por meio eletrônico, com antecedência de quarenta e oito horas.

III – Concessão de férias coletivas

A Medida Provisória flexibilizou as condições para a concessão de férias coletivas, de modo que o empregador poderá, a seu critério, conceder férias coletivas, bastando notificar os empregados com antecedência mínima de quarenta e oito horas, não sendo aplicáveis o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias corridos previstos no §1º do artigo 139 da CLT.

Além disso, o empregador fica dispensado de realizar a comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e aos sindicatos representativos da categoria profissional, prevista no art. 139 da CLT.

Ressalta-se, por oportuno, que os empregados contratados há menos de 12 (doze) meses gozarão férias proporcionais, iniciando-se, assim, o novo período aquisitivo, na forma do artigo 140 da CLT.

IV – Aproveitamento e antecipação de feriados

Outra possibilidade prevista pela Medida Provisória nº 927 refere-se à possibilidade de antecipação do gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais mediante comunicação do empregador aos empregados, por escrito ou por meio eletrônico, com antecedência de 48 horas.

Além da antecipação acima mencionada, há a possibilidade de os feriados religiosos federais, estaduais, distritais e municipais serem utilizados para compensação do saldo de banco de horas.

No que se refere aos feriados religiosos, por sua vez, a antecipação dependerá da concordância do empregado, mediante manifestação em acordo individual escrito.

V – Compensação de jornada por meio de banco de horas

Em virtude das normas provenientes da Medida Provisória nº 927, faculta-se ao empregador a adoção de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, estabelecido mediante acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, a contar do encerramento do estado de calamidade pública.

Ressalta-se que compensação poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, respeitado o limite de dez horas diárias de trabalho, e não dependerá de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo.

Nesse contexto, o banco de horas pode ser um sistema eficiente para restringir a circulação dos empregados e, ao mesmo tempo, minimizar os prejuízos ao empregador.

VI – Suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho

Durante o estado de calamidade pública, ficará suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais, cuja realização apenas será dispensada na hipótese de existir exame médico ocupacional realizado há menos de cento e oitenta dias.

Importa destacar que tal medida não desobriga o empregador de submeter o empregado aos exames supracitados, mas tão somente o desonera de realizá-los neste momento. Desse modo, os exames indicados, salvo o demissional, poderão ser realizados no prazo de sessenta dias, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

Adverte-se, ainda, que durante o estado de calamidade pública está suspensa a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho. Tais treinamentos deverão ser realizados no prazo de noventa dias, a partir do encerramento do estado de calamidade pública. 

Além disso, faculta-se ao empregador a possibilidade de realização dos treinamentos na modalidade de ensino a distância, sendo responsabilidade deste observar os conteúdos práticos repassados aos empregados.

VII – Adiamento do recolhimento do fundo de garantia por tempo de serviço das competências de março, abril e maio de 2020

Diante do estado de emergência nacional, a Medida Provisória nº 927 suspendeu a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências dos meses de março, abril e maio de 2020. 

Trata-se, assim, da possibilidade de adiamento do recolhimento do FGTS pelo empregador e não da exclusão da sua obrigação, conforme previsto em lei. 

Esclarece-se que a prerrogativa de adiamento do recolhimento do FGTS poderá ser usufruída por todos os empregadores, independentemente do número de empregados, do regime de tributação, da natureza jurídica, do ramo de atividade econômica, e da adesão prévia.

Nestes termos, o recolhimento do FGTS, de março a maio de 2020, poderá ser quitado em até seis parcelas, sem incidência de multa ou atualização monetária, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020.

A fruição de tal prerrogativa exige que o empregador informe o adiamento do recolhimento do FGTS dos empregados, até 20 de junho de 2020, por meio de declaração à Secretaria da Receita Federal do Brasil e ao Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, observando a forma, o prazo e as condições estabelecidas por esses órgãos, assim como os dados relacionados a fatos geradores, à base de cálculo e aos valores devidos da contribuição previdenciária. 

Adverte-se que os valores não declarados serão considerados em atraso, e obrigarão o empregador a proceder com o pagamento integral da multa e dos encargos devidos.

Ademais, na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, o empregador ficará obrigado ao recolhimento dos valores correspondentes, sem incidência da multa e dos encargos devidos, desde que a referida obrigação seja adimplida dentro do prazo legal estabelecido para sua realização, nos termos do art. 22 da Lei nº 8.036, de 1990. Além disso, permanecerá obrigado a adimplir o depósito dos valores previstos no art. 18 da Lei nº 8.036, de 1990. 

Por fim, a Medida Provisória nº 927 estabelece a prorrogação do Certificado de Regularidade do Empregador pelo prazo de 90 (noventa) dias, assim como determina que os parcelamentos de débito do FGTS em curso, com parcelas a vencer nos meses de março a maio, não impedem a emissão de certificado de regularidade pelas empresas. 

Ressalta-se, contudo, que o inadimplemento do recolhimento do FGTS parcelado (referente aos meses de março a maio e com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020) ensejará o bloqueio do certificado de regularidade do FGTS.

VIII – Possibilidade de prorrogação da jornada em estabelecimentos de saúde

Nos termos da Medida Provisória nº 927, é permitida a prorrogação da jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso nos estabelecimentos de saúde, mediante acordo individual escrito.

Além disso, será permitida a adoção de escalas de horas suplementares entre a décima terceira e a vigésima quarta hora do intervalo interjornada, sem que haja penalidade administrativa, garantido o repouso semanal remunerado.

Destaca-se, ainda, que as horas suplementares computadas em decorrência da prorrogação da jornada ou adoção de escalas de horas suplementares poderão ser compensadas por meio de banco de horas, no prazo de até dezoito meses, previsto no artigo 14 da MP, ou remuneradas como hora extra.

IX – Ausência de estabilidade por afastamento decorrente de contaminação pelo covid-19

Nos termos do art. 29 da Medida Provisória nº 927/2020, os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados doenças ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. 

Tal previsão resguarda o empregador quanto à inexistência do direito de estabilidade previsto no artigo 118, da 8.213/91.

Admite-se, portanto, que o empregado contaminado terá direito à licença remunerada pelo período de 15 (quinze) dias, seguido de encaminhamento ao INSS pelo empregador, a fim de perceber o benefício previdenciário de auxílio doença, conforme estabelecido na Lei nº 8.213/91.

Ressalva-se, oportunamente, as disposições previstas na Lei 13.979/20, assim como as aparelhadas na Portaria nº 356/20 2020, emitida pelo Ministério da Saúde, que admitem a possibilidade de isolamento e quarentena para fins de contenção e prevenção da transmissão comunitária do coronavírus no território nacional. 

Assim sendo, caso empregador ou o próprio empregado suspeitem da ocorrência de contaminação pelo vírus COVID-19, o isolamento é a medida necessária a ser adotada. O afastamento, contudo, deverá ser prescrito por profissional médico ou agente de vigilância epidemiológica, observando o período de licença remunerada e encaminhamento ao INSS, caso seja necessário, conforme explicado anteriormente. 

A quarentena, por sua vez, objetiva a restrição de atividades ou a separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, de modo que será determinada mediante ato formal e devidamente justificado, emitido pelo Secretário de Saúde de cada Estado, Município, do Distrito Federal ou Ministro de Estado da Saúde ou superiores em cada nível de gestão, publicada no Diário Oficial e amplamente divulgada pelos meios de comunicação, podendo ser adotada pelo prazo de 40 dias, ou pelo tempo necessário para minimizar a transmissão comunitária e garantir a manutenção dos serviços de saúde no território, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 4º da Portaria 356.

Nesse contexto, o empregador deverá adotar todas as medidas cabíveis, especialmente as previstas na Medida Provisória n° 927, a fim de preservar a vida e o bem-estar dos seus colaboradores, estabelecendo rotinas e hábitos que possam contribuir com o combate à propagação do Coronavírus, incluindo o isolamento social.

Por fim, cumpre destacar que compete ao empregador não expor seus colaboradores a situações de risco de contaminação. Tal exposição, por exemplo, restaria configurada diante da exigência de circulação de empregados de segmentos não essenciais, em descumprimento às disposições normativas de falta justificada (isolamento e quarentena), ou ainda, diante da ausência de fornecimento de EPIs para os profissionais de segmentos essenciais, tais como os profissionais da área da saúde. 

Nesses casos há a possibilidade de configuração de nexo de causalidade entre a patologia do COVID-19 e as atividades laborais, o que poderia resultar em eventual responsabilização do empregador. 

Outras providências

– Possibilidade de celebração de acordos individuais entre empregadores e empregados que preponderarão sobre os demais instrumentos normativos, desde que observados os preceitos constitucionais;

– Os acordos e as convenções coletivas de trabalho, vencidos ou vincendos, no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor da Medida Provisória, poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de noventa dias, após o termo final deste prazo; 

– São consideradas convalidadas as medidas adotadas pelos empregadores no período dos trinta dias anteriores à data de entrada em vigor da Medida Provisória e que não a contrariem.

Por: Karla Lyrio de Oliveira – Advogada OAB/ES 19.807 e 
Jéssica Pereira da Silva – Advogada OAB/ES 32.702
Com a colaboração da Advogada:
Tairini Santório – OAB/ES 30.556